domingo, 4 de abril de 2010

. Inventário .



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Inventário

Três anos? Muito nova? Talvez. Na verdade, dança - se desde que se nasce, antes que te ensinem a bater palma, você já mexe o corpinho! Lembro-me de dançar desde sempre, de querer dançar, de pular nas apresentações do balé da escolinha, e das festas juninas que eu queria dançar e os meninos nunca queriam. Mas dança – dança? Seis anos.
Fiz minha primeira apresentação quando tinha seis anos, eu fazia balé (aquele de criança, que é tortinho, mas é fofinho) em um lugar próximo de casa. Fazia também jazz e sapateado no mesmo lugar. Lembro da minha professora, brava, russa. Mas eu nunca liguei muito pras broncas, eu acho que a vontade de dançar era maior. Lembro que muitas amigas minhas começaram a fazer junto comigo, mas desistiram. A minha primeira apresentação foi com uma música da Xuxa, eram quatro meninas, e eu era a menor, na idade e no tamanho também.
A primeira apresentação “solo” foi com sete anos, essa eu lembro porque mesmo criança eu fiquei muito nervosa, era sapateado e eu usava uma cartola gigante na cabeça (pelo menos parecia muito gigante pra mim na época!). Tenho algumas outras apresentações que me marcaram, uma em que eu tinha que imaginar como era uma margarida dançando, com uma roupa branca e amarela, e eu gostava muito dessa dança porque eu tinha “ajudado a fazer”. E uma que eu perdi a saia e entrei no palco sem saia mesmo, e como eu era pequena e ficava no meio, a maioria das pessoas não percebeu, mas a professora e minha mãe ficaram bravas depois. E as apresentações em shoppings e teatros grandes, é engraçado pensar que eu nunca tive medo, nem quando era pequena, só queria que minha vez de subir no palco chegasse logo (eu era bem mais exibida quando criança).
Lembro de detalhes porque tenho gravações das primeiras danças (mãe e pai corujas). Mas me faz bem; toda vez que me sinto sem rumo, assisto uma dessas fitas, a sensação de dançar sem preocupação me traz força, me lembra de um objetivo maior.
Com nove anos, parei de dançar, mas por motivos maiores que a vontade. Primeiro, minha professora teve problemas de saúde, e a academia também mudou para o outro lado da cidade (e em São Paulo isso pode ser muito complicado); segundo, eu tive uma crise de alergia e médicos chegaram a proibir o exercício físico. Enfim, fiquei sem fazer dança até os doze anos, quando encontrei um Studio perto de casa. Nesse lugar o método era mais tradicional, com exame no meio do ano e uma grande apresentação no final. A apresentação é no Teatro Imprensa e eu me lembro de me sentir muito importante quando dizia que iria dançar lá. Como fiquei muito tempo sem dançar, fiquei com um grupo de pessoas que era menor que eu, mas, como eu já tinha uma experiência e fui bem no primeiro ano, no segundo ano eu passei dois níveis, fiz dois exames e alcancei o pessoal que tinha minha idade.
Fiquei no mesmo local, desde os doze anos até ano passado (dezenove), e aprendi muito clássico e contemporâneo, mas algumas danças mais fortes me marcaram mais, até como pessoa; danças como “Cupidos” que foi minha primeira dança pra festival e também a primeira com um acessório (que era o arco e flecha), e foi tudo muito novo, eu adorava ver qualquer dança em festival, desde as crianças até os solos, os bons e os estranhos, tudo era bonito. “Magia das Águas”, que foi uma coreografia contemporânea pra festival, minha primeira dança contemporânea e muito linda, desde a música até o grupo em si, tudo tinha uma harmonia que me encantava. “Chocolate Quente”, no Quebra-Nozes, que foi uma dança completamente diferente do que eu já tinha feito antes, porque tinha uma pose de poder e uma coragem de exibição maior, exigiu de mim uma interpretação que antes eu não sabia que poderia fazer. ”Flocos de Neve”, também no Quebra-Nozes, porque eu nunca tinha dançado sete minutos seguidos com aquela intensidade antes, foi uma prova de resistência fantástica. Florbela Espanca, “Livro de Mágoas”, essa foi uma dança que realmente me fez pensar no que eu quero como intérprete, toda a pesquisa que o grupo fez ,todo o sentimento que acontecia na hora que a gente ensaiava e se apresentava, não importava se ganharíamos o primeiro lugar ou o último porque a cada vez que a dança era feita, alguma coisa nova surgia, foi extremamente mágico.
E existem coisas que mudaram a minha forma de dançar, mas que não foram coreografias, uma dessas coisas é um workshop do grupo Raça que eu fiz no começo do ano de 2009, eu nunca tinha feito um curso que durasse um final de semana, ele foi rápido mas eu lembro dos passos, lembro da sensação de ser uma “novata”, mas também lembro de me sentir solta num lugar completamente novo, de me sentir mais viva do que eu me sentia na academia.
Lembro de professores especiais, realmente acho que faz muita diferença quando alguém te nota no meio de outras pessoas pelo menos alguma vez. Te dá o ânimo pra fazer um trabalho maior e melhor, como se a atenção fizesse você perceber a si mesma.
O apoio, dos meus pais, da minha mãe, de amigas dela e das minhas amigas, também fez toda a diferença. Quando você termina uma apresentação que você acredita que não foi tão bem, mas você encontra a sua amiga e ela diz que foi perfeito, e depois alguém vem dizer que você nasceu pra isso, me fez sentir segura pra não desistir do que eu queria.
Não desistir foi o que me fez entrar na Unicamp também. Foi uma grande decepção pra mim não entrar da primeira vez que fiz a prova de aptidão, principalmente porque eu tinha a sensação de que tinha ido bem, mas quando penso nisso hoje, acredito que eu tinha muito pra crescer, amadurecer. O segundo ano que prestei, tinha muito mais segurança em mim mesma, no que eu tinha pra oferecer sem me preocupar com o que esperavam de mim, e fiquei muito admirada quando descobri que passei, foi uma sensação que percorreu o corpo todo, como se eu tivesse bebido alguma coisa especial pra sentir gostos pelo corpo todo, meio surreal.
E existe um acontecimento em especial, que eu acredito ser um dos mais importantes em questão de sentimento, que foi a morte de uma pessoa muito querida, no ano de 2009. Talvez seja por esse amadurecimento, ou por essa sensação maior que a minha apresentação na prova de aptidão tenha mudado. A forma como tudo aconteceu foi tão impressionante pra mim que eu não acho que tenha superado ainda. No final de agosto sempre há um festival em Campos do Jordão, e o Studio que eu dançava fica em Campos durante um final de semana. Quando eu saí de São Paulo, pra viajar com o Studio, a pessoa, como uma segunda mãe para mim, estava gripada, mas viva e bem, ela até me ajudou a arrumar o cabelo e a mala pra viagem, e quando eu voltei de Campos, ela estava internada, em estado grave e desacordada. Lembro que fiquei sem rumo, e durante os dez dias seguintes eu mudava de humor a cada segundo, até que ela não agüentou e faleceu. Foi muito difícil, não há sensação parecida, não é uma sensação ruim, é algo que não se explica, e eu demorei mais tempo pra perceber que não dava pra voltar atrás do que qualquer outra coisa. E isso mudou a minha dança, definitivamente e completamente. Toda dança a partir daquele momento significou muito mais, e sentir a dança me faz sentir mais perto do céu, como se eu pudesse chegar a centímetros da alma de quem eu sinto tanta falta.
De qualquer forma a dança sempre significou mais do que apenas movimentos coordenados pra mim, sempre teve uma importância maior pra minha vida e eu acho que é isso que eu vim buscar na Unicamp, um aprendizado, uma sensação e um sentido pra minha dança, eu vim aqui pra chegar um pouco mais longe e mais alto a cada dia.

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Trabalho da aula de percepção. Até que ficou legal.

Namasté!

Um comentário:

Valéria disse...

Tá,
a pessoas que precisam orar para sentir seu "Deus interno", para você é dançar... :)
Sinto que é uma parte de Deus seu que aparece quando dança. Lindo para quem vê, e deve ser uma experiencia fascinante para quem está dentro!

Amo você, sua dança, e toda a vida que percorreu com ela.
Espero que sejam sempre bem unidas, porque juntas são algo bem maiooor =)

Com bastante amor e emoção,
Val