"Pra nos tornarmos imortais,
a gente tem que aprender a morrer,
com aquilo que fomos
e com aquilo que somos nós."
Me peguei pensando o quanto o espelho te erra quando você o acerta.
Olhando as fotos da aula de ballet de sábado quis me esconder dentro do meu próprio olhar.
Não que estejam ruins, longe disso, elas estão fantásticas, mas eu.. Eu me vejo melhorando e querendo ser mais, e me pego pensando "é isso, vai dar certo, eu vou conseguir porque em 6 meses eu evolui 50%", e vejo essas fotos, penso no meu esforço e me vem essa contradição, minha mente grita "para, para, para, ta horrivel, ta errado, isso é dançar? cadê seu esforço? cadê sua técnica, seu centro, seus braços alongados, suas pernas na orelha, cade a flexibilidade, a delicadeza?" e a vontade de deitar e ficar cai sobre os ombros como um manto. A vontade de não me movimentar mais, nem por movimentar. Vontade de desistir desse mundo cruel de corpos perfeitos e rostos perfeitos, desse mundo onde não há descanço e a cada hora que eu passo escrevendo e estudando, outros estão aperfeiçoando seus giros e esticando seus pés. Um mundo que traz com ele uma leveza e um peso que talvez eu não consiga suportar, ou que talvez eu queira tanto e com tanto afinco que não suporte a idéia de não suportar.
E ai eu vou treinar, vou fazer abdominais, vou colocar o sofá em cima do colo do meu pé, vou pular 78 vezes seguidas em 3 ritmos diferentes para pegar fôlego, eu vou colocar uma musica e pensar em coreografias que impressionem o mundo, pensar em uma transparências dos meus sentimentos e suar para que todos me vejam através do que danço. Eu vou treinar triplas piruetas e abrir minhas pernas em muito mais de 180°, eu vou prender meus cabelos bem forte sem ligar que quebrem, eu vou parar de comer e afinar minha silhueta, eu vou estudar e ler todos os livros de dança que existem no planeta. Escrever teses sobre a dança, inventar registros, reinventar formas, reestudar técnicas, aplicar, desvendar, cifrar, decifrar, correr, perder, fazer, isolar, exibir, descobrir, ganhar, receber, agredecer, dançar, dançar, dançar, dançar, dançar, dançar..
E ai você se pergunta:
PARA ONDE FOI AQUELA MENININHA QUE AMAVA DANÇAR SOMENTE POR DANÇAR, CADÊ AQUELE AMOR?
E eu estou aqui, eu to aqui.. Pensando em como transformar o que mais amo na minha vida em um amor eterno, como deixar que essa sensação de ser completa nunca se vá diante da preocupação com as formas e técnicas do meu corpo, sem a preocupação de ser a melhor ou de ser só mais uma.
Minha conclusão é de que o espelho não sabe de nada, ele não sabe o que eu danço, a foto não mostra o que eu mostro e não corrige minhas falhas. E a cada dança que sinto e a cada dança que vejo, a cada passo que eu dou e a cada esforço que eu faço, eu TENHO que me lembrar de que o importante não está em nada disso, que querer ser imortal não é transparecer a arte efêmera que escolhi de forma que lembrem de mim, mas sim sentir essa arte em mim. A imortalidade que quero está em mim mesma, na sensação que eu tenho do que danço, porque o que você percebe vai embora eventualmente.
Confie em mim.
Eu confio.
3 comentários:
Eu também confio!
Sabe que eu sinto uma coisa meio parecida? Mas é relacionada ao amor pela leitura. Sempre gostei de ler, até mesmo antes de saber como. Mas aí entra na facu de letras e aí rola toda aquela parte técnica e blá blá blá e uma hora eu vi que não tinha mais aquele simples prazer da leitura. E chega a hora de reencontrar esse amor. Eu ainda não reencontrei. Com 400 exemplares na minha estante eu ainda não sei onde foi parar aquele amor que eu tinha quando era menina. A avidez que nunca mais tive...
EU AMO VC!
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